A experiência de formação continuada no ensino superior baseada na metodologia de observação de sala de aula

por Adriana Rieger, Bruno Meireles e Regina Durante

03/07/2017

A formação continuada na educação é uma importante ferramenta para o aprimoramento das práticas pedagógicas. Muito se fala e se produz sobre a formação continuada na educação básica, no entanto, no ensino superior nem sempre se dá a devida importância à formação pedagógica de seus professores com vistas a um acompanhamento mais efetivo do processo de ensino e de aprendizagem. A formação inicial de quem hoje está na docência do ensino superior na maior parte dos casos não estava voltada ao exercício da atividade docente, ou seja, estes profissionais construíram suas identidades docentes no chão da sala de aula e a partir do que trouxeram como referências de ser professor. Os saberes e as capacidades docentes foram e são construídos, desenvolvidos e reconstruídos durante o exercício da profissão.

Há uma demanda crescente nas instituições de ensino superior em relação a melhoria de ensino e a formação de seus profissionais. É fato de que os professores de ensino superior nem sempre saíram das licenciaturas para atuar na graduação ou até mesmo na pós graduação. É fato, também, que estes profissionais nem sempre possuem formação pedagógica adequada para a prática do ensino, principalmente aqueles advindos de outras áreas fora da educação. Sendo assim, é necessário que recebam orientação e acompanhamento com relação ao desenvolvimento do trabalho pedagógico, uma vez que a maioria dos cursos de graduação que formam profissionais com conhecimento técnico-científico não trazem uma formação pedagógica para a atuação como docente, o que traz dificuldades e restrições para a construção de um espaço de aprendizagem colaborativa em suas aulas. Desta forma, faz-se imprescindível desenvolver e aprimorar os saberes específicos para a docência.

[…] pressupõe responsabilidade a ser construída coletivamente, pelo professor e pela instituição, em parceria deliberada e consciente na definição de um projeto institucional com vistas à superação da fragmentação curricular numa nova aventura de ensinar e de aprender, isto é, formar formando-se. (Anastasiou e Alves, 2003, p.63).

Em 2016, a Universidade Braz Cubas, sediada em Mogi das Cruzes no estado de São Paulo, desenvolveu o projeto Ádito, que buscava trazer inovações na formação dos professores e nas práticas de sala de aula.

Para isso, acreditou que a análise e a reflexão crítica sobre as práticas docentes se constituiriam em ferramentas para transformação profissional. Em parceria com a Elos Educacional, propôs o uso da metodologia de observação de sala de aula e posterior feedback aos professores observados.

Boa parte dos professores da instituição não têm uma formação voltada especificamente para o exercício docente, ou seja, sua formação inicial foi voltada para o mercado de trabalho em suas áreas de atuação, fora da docência: engenharia, odontologia, direito, administração, etc. Em geral, estes docentes relataram que para planejar suas aulas se inspiraram nos professores que tiveram ao longo da escolaridade e que consideravam bons professores.

O processo de observação de sala de aula no Brasil ainda não é uma prática comum, mas já vem sendo introduzida em algumas redes de ensino e escolas de educação básica, geralmente, realizada pela equipe de gestão escolar, porém ainda sofre certa resistência de alguns professores por influência de uma crença de que a observação é sempre com o objetivo de avaliar e punir o professor observado e, também, por terem vivenciado ou ouvido relatos de outros professores sobre experiências negativas com o processo de observação de aula.

De acordo com Lemov (2011), apesar de existir uma grande cobrança por resultados na educação, a sala de aula ainda é um lugar privado onde o professor tem autonomia nas suas ações. Entretanto, apesar da possibilidade de aprendizado em diversos espaços a sala de aula é o local por excelência onde ocorre o aprendizado.

Sendo assim, a sala de aula deve ser um local público, de forma que possibilite o compartilhamento da responsabilidade com outros integrantes da escola, a detecção de problemas de ensino e com isso formas de aperfeiçoamento das práticas pedagógicas e o aprendizado de estratégias e recursos utilizados por bons professores (LEMOV, 2011).

Para Reis,

a metodologia de observação de sala de aula desempenha um importante papel na melhoria da qualidade do processo de ensino e aprendizagem, constituindo uma fonte de inspiração e motivação e um forte catalisador de mudança na escola. (2011, pág. 11)

 

Para aplicação desta metodologia é necessário a realização de diversas ações que são divididas em três etapas: antes da observação, durante a observação e pós-observação.

Este processo teve início na Universidade Braz Cubas com um encontro presencial tendo como objetivo apresentar aos professores como seria o processo de observação de aula como uma estratégia formativa, combinar o foco das observações e apresentar os instrumentos utilizados durante o processo. Estas ações compuseram a etapa antes da observação que deve ser realizada para criar um clima harmonioso e de confiança junto aos professores que serão observados.

Neste primeiro encontro os professores demonstraram inicialmente curiosidade, ansiedade, medo e até resistência, porém com o decorrer do trabalho começaram a se posicionar, questionar e compreender que o principal aspecto desta metodologia não era a “avaliação” de suas práticas docentes, mas sim, contribuir com a reflexão do próprio professor, individualmente, a partir de um olhar externo baseado em evidências, ou seja, não havia um julgamento do que ocorreu na aula, apenas um olhar da aula como um “todo” que era apresentado ao professor e que possibilitaria a reflexão e diálogo sobre a prática docente.

Antes da observação ainda, eram combinados os dias de visita para que o professor estivesse preparado para receber um formador da equipe Elos e não fosse um evento surpresa, já que este não era o objetivo desta observação, mas sim de pensar com o professor como foi a sua aula e como qualificar o seu planejamento.

Foi estabelecido, então, um cronograma a partir de datas sugeridas pelos próprios professores. Para que os objetivos desta etapa fossem alcançados foi imprescindível que os observadores fossem muito discretos, não realizassem interferência nas ações das aulas e registrassem evidências que comprovassem o que foi observado nas aulas evitando o julgamento das ações observadas. Cabe ressaltar que o foco da observação das aulas é o ensino e as metodologias utilizadas e o não os professores em si.

Na etapa seguinte, a de pós-observação, os observadores organizaram um roteiro para apresentar o que foi observado nas aulas em um encontro presencial de feedback destacando ações bem-sucedidas pelos professores e provocando a reflexão dos professores por meio de questões. Além do feedback presencial, todos os professores receberam um relatório da observação e do diálogo no encontro presencial após a observação, com sugestões de materiais complementares.

Um aspecto de destaque foi a receptividade de muitos professores com os observadores. Segundo alguns docentes, há uma carência de acompanhamento de suas práticas pedagógicas e que consideravam um processo importante para o aprimoramento pessoal e profissional. Estavam ansiosos pelo momento do feedback.

Esta expectativa em relação ao feedback era tão grande que, em algumas situações, os professores queriam agendar já para o próximo dia a devolutiva. Ao final de cada devolutiva os professores comentavam sobre como se sentiram em ambos os momentos – observação da aula e feedback, e de forma unânime foi apontada a importância deste processo para melhoria da qualidade das aulas e do aprendizado dos alunos. Em alguns casos, professores relataram uma certa angústia e ansiedade durante a observação.

Durante o desenvolvimento das três etapas deste projeto de formação continuada veio à tona a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre o papel social do professor, sobre o seu exemplo e a influência na atuação dos alunos, sobre a necessidade iminente da desconstrução da ideia, por parte do professor, de que “eu faço a minha parte, eu ensino”, e conscientizá-lo de que quando não há aprendizagem, não houve ensino. As necessidades formativas dos professores apontam para um trabalho com muitos desdobramentos com idas e vindas entre prática, reflexão e teoria.

Para finalizar, destacamos a importância desse momento junto ao professor, mediando esse processo reflexivo, que possibilita ampliação e clareza da construção do seu papel no processo de ensino e aprendizagem e a reflexão para a busca de novas estratégias para qualificar ainda mais as suas aulas.

 

Leia também:

 

Autonomia, Comportamento e a Escola
O valor da comunicação na escola e sua implicação nos indivíduos
Educação Integral: desafios e possibilidades

 

Gostou? Compartilhe nas suas redes!

Comentários sobre o texto

  1. Josefa Alvina do Carmo disse:

    Muito importante esse artigo. Nos deparamos com realidades diferentes entre a formação acadêmica e o chão da sala de aula. É quando entramos nela que construímos e reconstruímos nossas práticas docentes. E toda formação posterior é sempre bem vinda.

Comente qual sua opinião sobre esse texto!

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

artigos relacionados

Inscreva-se na nossa Newsletter