Precisamos falar sobre produção textual!

por Tiago Monteiro

24/01/2019

O mês de janeiro é sempre um período que a escola, famílias e alunos se voltam para assuntos importantes! É o planejamento coletivo da unidade escolar, o retorno às atividades pedagógicas que retomam a rotina dos pais e estudantes, bem como a expectativa destes em reencontrarem velhos amigos e fazer tantos outros. Além disso, outra situação que causa comoção é o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), pois todos estão na expectativa de bons resultados!

 

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a edição do ENEM 2018 contou com 4,1 milhões de redações corrigidas. Dentre esse montante, apenas 55 destas receberam nota máxima (1.000). Em contrapartida, 112.559 estudantes zeraram a redação, e a média das produções textuais ficou em 522,8. Esse panorama nos faz perceber que muitos de nossos jovens encontram dificuldade extrema no domínio da escrita, organização das ideias e foco no que é esperado para que seja discorrido. Com isso, nós, educadores, escola e família temos que redobrar nossa atenção e avaliar de maneira consciente e propositiva qual tem sido o espaço que a leitura e a produção textual têm na vida acadêmica dos adolescentes e jovens.

Neste artigo, não nos deteremos a avançar em elementos como o papel da família e compromisso do aluno diante desse cenário, mesmo tendo certeza de que eles são importantes de serem debatidos e fomentado um trabalho substancial. Nosso mote será sobre como a escola pode organizar um trabalho pedagógico de produção textual com seus alunos de maneira a potencializar o desenvolvimento cognitivo deles neste eixo, em especial o professor de Língua Portuguesa. Para isso, abordarei algumas de minhas experiências docentes. Destaco que não se trata de trilhos a serem seguidos, mas trilhas que podem levar você, leitor, a achar e (re)construir seu caminho nesta trajetória.

 

Em minha experiência como professor e Língua Portuguesa nos anos finais do Ensino Fundamental e, também, no Ensino Médio, em redes municipal e estaduais do Nordeste e do Sudeste do Brasil, confesso que, por vezes, via-me diante de desafios que me fizeram repensar o trabalho de produção textual com os alunos. No meu planejamento, passei a considerar o trabalho com os diferentes tipos e gêneros textuais e organizava a rotina de tal modo a demandar produções dos alunos com uma regularidade significativa (pelo menos duas vezes ao mês). O trabalho era intenso pois o fluxo de leitura, correção e feedback aos alunos era bem presente, mas o retorno era enriquecedor! Abaixo, elenco algumas ações que fazia e que, possivelmente você, caso não as faça, pode experimentar:

 

 

 

No meu planejamento mensal, sempre pesquisava temas atuais e pertinentes relacionados à cultura, movimentos sociais, geopolítica, ou seja, os tão conhecidos assuntos “cristas da onda”. Em sala de aula, realizávamos leituras de artigos, posts em sites e redes sociais, quer dizer, utilizávamos todos os recursos possíveis disponíveis para que os alunos pudessem não só ler, mas poderem contrapor ideias e formular seus próprios argumentos. Neste momento, “trocava figurinha” com os professores das demais disciplinas, pedindo que potencializassem esses debates em sala, a fim de trazer ainda mais insumos para os alunos. Afinal, o trabalho precisa ser interdisciplinar e precisamos criar demanda para que isso aconteça de fato no cotidiano da unidade escolar.

 

 

 

A internet é um espaço rico que, a meu ver, precisa ser potencializado em nosso trabalho pedagógico, inclusive com os alunos. No entanto, algumas armadilhas aparecem no caminho, como as fakes news, fontes não confiáveis, manipulação demasiada das informações entre outras características presentes na web. Aqui, o nosso trabalho se lançava fortemente a analisar as notícias, avançar nas desconstruções dos sensos comuns e excluir aquilo que não agregava. O interessante é que esse trabalho que faz parte preliminar da produção textual envolvia leitura no seu sentido mais complexo, pois focávamos na análise dos textos para além do explícito, possibilitando, assim, construir caráter investigador, crítico e ativo diante das notícias. Nessa etapa, realizávamos debates muito ricos, em que os alunos se posicionavam e tinham que argumentar em situações de comunicação oral, trazendo, mais uma vez, o caráter linguístico em sua maneira mais ampla.

 

 

 

Sabemos que não só de ideias se concretiza uma produção textual. É preciso que esses argumentos se materializem no texto escrito. Logo, as aulas também abordavam a função social de determinado gênero, fazendo a leitura de diversos tipos de textos e aprofundando conceitos e definições relacionados ao gênero. Além disso, desenvolvíamos um trabalho relacionado à morfossintaxe de maneira vinculada ao texto, discutindo formas lexicais, estruturas frasais entre outros elementos de coesão e coerência textuais que qualificassem a produção dos alunos. A meu ver, essa abordagem significa o valor da gramática de uma maneira que descortinamos aos alunos a língua e desmistificamos a ideia de que aprender “português” é difícil.

 

 

 

Como disse, a rotina de produção dos textos era de dois trabalhos mensais e, geralmente, era sobre o mesmo tema. Na primeira produção, os alunos traziam o texto em sua forma mais inicial. Eles tinham aproximadamente uma semana para a escrita e o entregavam a mim na data combinada. Após minha leitura, análise e feedback, o texto era reescrito, seguindo os combinados, a fim de qualificar o texto. De fato, a segunda produção era mais rica e alinhada ao que esperávamos e a satisfação era imensa!

 

 

 

Você deve estar pensando: “esse professor tinha apenas uma turma com poucos alunos… Afinal, como é possível corrigir tantas redações em um intervalo curto de tempo?” Como a maioria dos professores de Língua Portuguesa de rede pública de ensino, eu tinha quatro turmas cujo trabalho era desenvolvido, com a média de 36 alunos por sala. Deixo claro que não era fácil, absolutamente. Afinal, o trabalho não se limitava a receber a produção textual. No entanto, ele era prioridade, pois entendia que era preciso superar a ideia de uma aula conteudista e de “decobera” de regras gramaticais. Então, respirei fundo e organizei minha rotina de modo que semanalmente lesse as redações de uma turma. Por vezes, essas leituras eram em horário de estudos individual na escola, outras, em casa. Fui observando meu limite para que, de fato, a leitura e análise fossem significativas, pois esse era o papel da produção: apontar caminhos e indicar o que precisa ser feito melhor! Rotina é a palavra de ordem, caro professor! E veja que bom: à medida que os alunos avançavam nas produções, fomos constituindo monitores em sala de aula. Eles eram convidados a lerem e fazer considerações nas produções dos alunos. Isso não deixou meu dia mais livre, pelo contrário, pois eu ainda lia as considerações e alinhávamos as compreensões. No entanto, o protagonismo era intenso e os alunos se sentiam motivados a fazer melhor, principalmente para receber o convite de estarem “do lado de cá”, fazendo esse trabalho colaborativo. Para ter uma ideia, ao final do ano letivo, os alunos já faziam revisões colaborativas com a menor intervenção minha. Percebem como a rotina e prioridade trazem bons resultados? Então, não há motivo para desistir!

 

Talvez você se pergunte: como era definida a nota? Por ser um processo rico e complexo, não havia a soma e divisão das “notas” dadas em cada produção. Inclusive, os alunos não recebiam nota em todas as redações. Eles precisavam entender, e eu também, que a aprendizagem não se reflete exclusivamente em um número. Nas conversas durante os feedbacks, íamos apontando necessidades de melhorias e, quando preciso, avisava com antecedência que determinada produção comporia parte da avaliação bimestral. Por ser processo, avaliávamos, aluno e eu, de maneira dialógica, o valor da produção em questão. No entanto, não nos esqueçamos: eles já haviam exercitado bastante! Então, era um movimento muito tranquilo, respeitoso e responsável!

 

Retornemos ao início deste artigo. Vimos que os resultados das redações do Enem de 2018 não foi o mais animador. Todavia, não esmoreçamos. Antes, convido a você, leitor, a pensar: qual é o lugar que a produção textual ocupa em meu trabalho pedagógico junto aos alunos? Quais são as rotinas possíveis que visem uma ação significativa em sala de aula? Essas perguntas são bons disparadores para que você possa avaliar seus planejamentos em 2019! Como dito, minha experiência não é a única maneira possível de se fazer um bom trabalho, mas, quem sabe, pode lhe inspirar a potencializar o que já é feito e o que se pode fazer!

 

Referências bibliográficas:

 

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