Sim, a escola é lugar de pessoas!

por Elaine Lindolfo

30/10/2023

Ao tomar conhecimento de uma pesquisa da OCDE (em 04 de outubro de 2022), que retrata situações que deparamos cotidianamente na realidade das escolas e no acompanhamento formativo das equipes escolares, vemos um dado muito importante e urgente, que é aumento alarmante dos jovens da geração nem-nem:   que nem estudam e nem trabalham. https://www.oecd.org/latin-america/paises/brasil-portugues/. Acesso em 27de novembro de 2022.

 

O termo “Geração Nem-Nem” surgiu nos anos 90, na Inglaterra. O nome vem da sigla NEET´s (not in employment, education, or training), que faz referência a jovens que não têm um emprego e não estudam. Dados da Organização Internacional do Trabalho mostram que essas pessoas representam mais de 35% dos desempregados do planeta.

 

O Brasil é o segundo país no ranking de jovens de 18 a 24 anos que não desempenham atividade profissional e nem estão matriculados em instituições de ensino, ficando atrás apenas da África do Sul.

 

 

Outro fator constatado pelo levantamento é a desigualdade. Entre as mulheres, 26% não trabalham e não estudam, enquanto entre os homens, a taxa é de 24%. Já em um recorte racial, a população preta é a mais atingida, com 29% fora do mercado de trabalho e de instituições educacionais. Entre os que se consideram brancos, esse número cai para 23%.

 

Ao olhar para os dados desta pesquisa, nos vemos comprometidos /as com algumas pautas, que precisam ser reveladas e discutidas em diferentes instâncias. Dessa forma, poderemos olhar para o nosso papel enquanto educadores/as, políticos/as e membros da sociedade civil como um todo e tomar para nós, a responsabilidade em lidar com o racismo estrutural, de forma que ele esteja sendo desconstruído, sistematicamente, em cada ação intencional que desenvolvemos.

 

Em uma outra matéria, há um contraponto da Fundação Getúlio Vargas, que derruba o próprio termo “nem-nem”, dizendo que deveria na verdade ser “sem, sem”. Este contraponto apresenta a possibilidade de olharmos para um ângulo mais verdadeiro, onde a população preta e jovem, encontra-se sem oportunidade de escola e sem oportunidade de emprego.

 

Os mecanismos de exclusão e de segregação são variados e hábeis; os processos de equidade deveriam embasar o cotidiano dos sistemas educacionais e da rede empregatícia. Entretanto, para esta concorrência não há uma linha de largada equânime, pois as diferenças educativas, sociais e econômicas fazem com que o povo preto saia nos últimos lugares nos grids da largada. Quando analisamos o primeiro “nem”, olhamos para um sistema de ensino que nesse momento, busca processos de recomposição da aprendizagem, mas nem sempre apregoa possibilidades reais para tanto.

 

Um dia desses, em nossas rodadas formativas, apresentamos a trilha formativa, na qual os aspectos étnico-raciais faziam parte dos estudos, entrando como aspecto preponderante nas ações educativas para a recomposição da aprendizagem. Deparamo-nos com uma professora negra, em fase de aposentadoria, que durante um bom tempo da formação, demonstrava, claramente, estar incomodada naquele lugar; em dado momento das provocações, diálogos, muitas vezes intensos e recheados de experiências pessoais, afirmou:

 

– Eu não quero mais essa luta, eu não quero mais empunhar esta bandeira!

 

Ao olhar para esta professora, fico pensando que ela representa um grande número de pessoas pretas, que não escolheram dedicar-se a uma causa, pois a causa está impregnada na própria pessoa, na cor da sua pele e no processo de extradição vivida pelos/as seus/suas ancestrais. Sim, ela estava cansada! Cansada de ter que fazer explicações, de ter que justificar sua presença, de esforçar-se sobremaneira para não fazer parte das pesquisas de quem nem estuda e nem trabalha.

 

Cansada de defender os/as seus/suas que, quando crianças, nem sabiam porquê precisavam de defesa!

 

Outros/as professores/as negros/as e brancos/as, comprometidos/as com a luta antirracista, se manifestaram num gesto de parceria, dizendo que são 500 anos de exclusão e de silenciamento histórico, que não se restitui, mas que podemos e devemos continuar perseverando, pois crianças, jovens e adultos/as pretos/as, estão compondo números alarmantes.

 

Quando a professora falava dos/as seus/suas, podíamos ver refletido nas belas pupilas negras de seus olhos, jovens que, muitas vezes, não encontraram na educação um espaço para o autoconhecimento de forma que pudessem conhecer a história do seu povo, suas conquistas e descobertas; de poder se orgulhar e se afirmar enquanto uma população presente e cultural e economicamente produtiva, e não como meros resquícios de uma população escravizada.

 

Os/as seus/suas… os/as nossos/as tiveram e têm muita dificuldade em manter-se na escola, ainda mais, no período pandêmico, muitas vezes tendo que constituir-se como arrimo de família, sendo obrigado/a a ser um “sem escola”, na busca de empregos ou subempregos, que pudessem garantir o mínimo de sustento para a família.

 

E continuamos os nossos diálogos, acerca da insistente e necessária luta contra o racismo estrutural, dentro das unidades educacionais.

 

Passamos alguns meses, refletindo e utilizando instrumentos que poderiam colaborar para o planejamento e desenvolvimento de aulas mais significativas e engajadoras, considerando a diversidade, com ênfase nas discussões étnico-raciais.

 

A professora, cansada, em fase de aposentadoria, foi cada vez mais sentindo que poderia levantar a cabeça e olhar na perspectiva da contribuição histórica, que poderia oferecer para as equipes escolares com as quais desenvolveria o seu trabalho. A professora, já não tão cansada, tinha orgulho de mostrar as práticas antirracistas e de valorização do conhecimento, da cultura e do trabalho dos/as africanos/as e dos/as afrodescendentes. Orgulhosa mostrou-nos no grupo de WhatsApp uma foto na festa do Quilombo, do qual sua família sempre fez parte, onde ela foi e levou a diretora da escola. Mais que uma imagem, essa fotografia registra a redescoberta de uma pessoa, que trocou a desesperança por possibilidades de contribuir para que tenhamos alguns/as jovens pretos/as a menos nas próximas pesquisas dos/as que nem estão na escola, nem estão trabalhando e que, muitas vezes, estão em situação de vulnerabilidade, entregues à criminalidade e ao fatídico destino de compor os registros policiais.

 

Para quem começou com o nem, advérbio de negação, vamos terminar com uma afirmação: a escola é lugar de pessoas! Pessoas são diversas e têm histórias.

 

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