O/A estudante com autismo e o seu desenvolvimento no espaço escolar.

por Karen Kaufmann Sacchetto

31/07/2023

Estratégias pautadas na equidade, para serem asseguradas no espaço escolar, como forma de contribuir com o desenvolvimento do/a estudante com autismo

 

Felizmente a inclusão de estudantes com autismo nas escolas regulares tem se tornado cada vez mais frequente e necessária, afinal, o termo inclusão é para todos/as, pois cada pessoa tem um perfil único de aprendizagem. Ainda assim, para que essa inclusão seja efetiva, é fundamental que sejam adotadas estratégias adequadas para atender às necessidades específicas desses/as estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

 

Neste artigo, discutiremos algumas estratégias eficazes que podem ser implementadas para trabalhar com estudantes com TEA na escola, visando promover seu desenvolvimento acadêmico, social e emocional, lembrando que cada pessoa, típica ou atípica, é única e, por isso, não há uma estratégia eficaz que contemple toda a diversidade. Sendo assim,  torna-se cada vez mais urgente que todos/as, mas principalmente educadores/as, conheçam esse espectro para poder planejar estratégias mais eficazes.

 

O autismo é considerado, atualmente, um transtorno do desenvolvimento de causas neurobiológicas definido de acordo com critérios eminentemente clínicos. As características básicas são anormalidades qualitativas que, embora muito abrangentes, afetam de forma mais evidente as áreas da interação social, da comunicação e do comportamento.

(SCHWARTZMAN, 2011, p. 37)

 

O diagnóstico

 

Atualmente, diagnósticos clínicos do TEA, são pautados na CID-11 (Classificação internacional de doenças) e na DSM-V (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais) e indicam que, para ser diagnosticada como uma pessoa autista, é preciso ter presentes todas as cinco condições ilustradas no infográfico abaixo, estabelecidas no DSM-5.

 

Infográfico: Condições obrigatórias para o diagnóstico de autismo (2023)

Fonte: ADAPTE EDUCAÇÃO (2023)

 

O diagnóstico e acompanhamento do TEA deve ser feito por equipes multidisciplinares com profissionais da saúde qualificados/as, conhecedores/as do transtorno, que podem envolver médicos/as neurologistas, psiquiatras, psicólogos/as, fonoaudiólogos/as dentre outros/as especialistas. A depender da intensidade com que as dificuldades na comunicação, na interação social somados à presença dos interesses e comportamentos restritos ou estereotipados (repetitivos) se combinem e se manifestem, assim como as comorbidades (outros transtornos e ou doenças coexistentes como TEA), a pessoa apresentará um quadro mais ou menos severo do transtorno indicando, também, sua condição de autonomia para lidar com as atividades da vida diária.

 

Conhecimento e sensibilização

 

O primeiro passo para dar apoio aos/às estudantes com autismo é conhecer o transtorno, suas características e necessidades compreendendo suas diferentes manifestações para poder eleger as melhores estratégias para que ocorra, de fato, inclusão na sala de aula.  Como vimos, o transtorno pode se manifestar de diferentes maneiras e intensidades, todavia há algumas características comuns que podem estar presentes, lembrando que suas presenças podem levantar comportamentos de risco, mas somente uma equipe multiprofissional qualificada poderá fazer um diagnóstico preciso. Algumas dessas características são:

 

  • Hipersensibilidade sensorial as pessoas com autismo são extremamente sensíveis aos estímulos do ambiente como sons, aromas, sabores e toques fazendo com que se sintam desconfortáveis. Equivocadamente, dizem que eles/as surtam, mas, na verdade estão tentando comunicar esse incômodo. Assim, é importante evitar a exposição a luzes ou ruídos muito fortes, etiquetas de roupas devem ser retiradas. Por vezes, rejeitam alimentos nem tanto por seus sabores, mas pelo aspecto visual. Um simples barulho de um salto, ao andar no chão, pode reverberar como pratos de bateria em seus ouvidos.

 

  • Dificuldades de aceitar mudanças na rotina as pessoas com TEA gostam de ter previsibilidade e controle sobre a sua rotina. Por isso é importante garantir situações cotidianas com seus horários, alimentação e programação (escola, atividades extras etc.). Não pense em fazer surpresas! Eventos grandes na escola como visitas do coelho da Páscoa ou Papai Noel podem ser situações de extremo estresse. A rotina é uma maneira de garantir à pessoa com autismo o controle de suas ansiedades e medos. Sabemos que nem sempre é possível evitar mudanças na rotina, mas ao conhecer essa característica podemos minimizar essas situações.

 

  • Rituais pessoas com TEA, às vezes, cumprem rituais compulsivos ao chegar ou sair de ambientes cotidianos como fazer um itinerário físico antes de sair passando pelos mesmos cantos da casa, ou enfileirar brinquedos várias vezes ao dia, por exemplo. Não os/impeça, mas procure fazer combinados de momentos em que podem fazer suas sequências! Faz parte de sua maneira de ser e se sentir no comando de suas ações.

 

  • Interação social reduzida uma característica forte das pessoas com autismo é a dificuldade em olhar nos olhos e, consequentemente, de interagir com outras pessoas ou reconhecer suas emoções. Pessoas típicas (que não apresentam transtornos) se relacionam e percebem sentimentos e emoções ao olhar nos olhos. Assim, a pessoa com autismo, ao não fazer contato visual também tem dificuldade em identificar os sentimentos e emoções envolvidos em uma situação. Por isso é comum a preferência em brincar sozinhos e evitarem locais com muitas pessoas.

 

  • Demora no desenvolvimento da linguagem, ecolalia (repetição) e compreensão literal – uma das características mais recorrentes é o atraso na expressão da fala. É comum não conseguirem se expressar verbalmente e, por vezes, repetem sílabas e/ou palavras, são as ecolalias. Também é comum não compreenderem metáforas ou ironias, pois a tendência é terem uma compreensão literal. Por isso podem se assustar quando você diz que “vai voando” para algum lugar ou que a casa está de “cabeça para baixo”.

 

  • Estereotipias – são movimentos repetitivos como agitar as mãos, girar objetos, balançar ou rotacionar o corpo ou repetir sons (ecolalias) que, mesmo que inconscientemente, os/as ajudam a controlar os estímulos excessivos.

 

Mas atenção, como vimos, essas são apenas algumas das características. A boa notícia é que todas essas questões  podem ser acompanhadas e trabalhadas, intencionalmente, por especialistas para fazer com que as pessoas com autismo, aos poucos, possam ir se integrando e avançando, mantendo-nos atentos/as ao grau de severidade, sempre com muita paciência para que possam responder, mais adequadamente, às sensações e estímulos do ambiente. Não é porque a criança demora a falar ou apresenta algum maneirismo que estará diagnosticada dentro do espectro. Como vimos dialogando, são muitas as condições que devem ocorrer concomitantemente para que o diagnóstico multidisciplinar seja fechado, por isso, se a criança está atrasada para falar, por exemplo, é importante checar com um/a fonoaudiólogo/a e/ou um/a otorrinolaringologista para verificar se não há uma perda auditiva envolvida.

 

Estratégias e recursos

 

Comunicação alternativa e/ou ampliada – uma comunicação alternativa é indicada quando a pessoa não é verbal, ou seja, não se comunica oralmente e estes recursos visuais se tornam um canal de comunicação eficaz.  Já a comunicação ampliada é quando a pessoa possui algum grau de comunicação verbal, mas não é suficiente para dar conta das necessidades comunicativas e estabelecer trocas sociais.

As três abordagens de comunicação alternativa mais utilizadas no acompanhamento de pessoas com TEA são o TEACCH, o ABA e o PECs. Não vamos nos aprofundar em cada uma delas, mas é importante sabermos que são recursos muito eficazes nos espaços sociais em que o/a estudante com autismo circula.

 

Os Recursos de Baixa Tecnologia referem-se a recursos mais acessíveis que possibilitam a comunicação quando inexiste a linguagem oral, podendo ser representados através de gestos manuais, expressões faciais, código Morse e signos gráficos como a escrita, desenhos, gravuras, fotografias. […] Os recursos de Alta Tecnologia oferecem sistemas de comunicação mais sofisticados, com utilização do computador. (ZAPOROSZENKO; ALENCAR, 2008, p. 6)

 

Estudantes com autismo podem enfrentar dificuldades na comunicação verbal. Por isso é tão importante conhecer e oferecer opções de comunicação alternativa encorajando a expressão das necessidades e sentimentos deles, garantindo que se sintam compreendidos/as e incluídos/as. E, para que isso ocorra, é importante que esses recursos sejam conhecidos por todos/as que fazem parte da comunidade escolar. As pastas, com imagens, representam a rotina e a “voz” de cada estudante e por isso, cada um/a deve ter a sua pasta, a sua “coleção” de figuras, de acordo com suas necessidades para a realização das atividades da vida diária.

 

 

 

Exemplo de comunicação alternativa: PECS — Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (Picture Exchange Communication System) 

Fonte: Soraia Vieira. Canal Autismo. PECS. 2019

 

 

Rotina estruturada e suporte individualizado

 

Outra ação importante para a inclusão, de fato, do/a estudante com TEA é, inicialmente, entender que cada estudante seja típico, ou não, é único/a, com habilidades, interesses e desafios específicos. Por isso é importante compreendê-lo/a em sua especificidade e oferecer recursos para que, pautados/as na equidade, possamos garantir as possibilidades de avanços de acordo com seus perfis de aprendizagem. Isso pode envolver o uso de recursos visuais, quebras de instruções em informações parciais, claras e objetivas, a presença de um profissional de apoio para auxiliar o/a aluno/a em e a criação de uma rotina estruturada. Como vimos, saber o que irá acontecer em seu dia proporciona segurança e previsibilidade. Assim, estabelecer horários fixos para atividades, utilizar calendários visuais e fornecer informações claras sobre o que acontecerá durante o dia. auxiliará na redução da ansiedade, na melhoria da organização e do engajamento dos/as aluno/as nas atividades escolares.

 

Integração social

 

A interação social é um desafio para muitos/as estudantes com autismo. A escola deve proporcionar oportunidades para que ele/ela se envolva em atividades sociais estruturadas, como grupos de trabalho cooperativo, jogos em equipe. Realizar atividades que permitam a nomeação das emoções é uma boa estratégia para que, pouco a pouco,  comecem a reconhecê-las. Incentivar a empatia, a aceitação e a compreensão por parte dos/as colegas também são fundamentais para a inclusão social de todos/as.

 

Ambiente físico apropriado

 

Além da comunicação alternativa e exposição da rotina, o ambiente físico da sala de aula deve ser organizado de maneira apropriada para atender às necessidades sensoriais dos/as estudantes com autismo. Como vimos é importante garantir a redução de estímulos sensoriais excessivos, visuais, auditivos e cinestésicos. Criar espaços de relaxamento, dentro ou fora da sala de aula, também é importante para que o/a estudante possa se tranquilizar quando perceber que os estímulos estão em demasia.

 

Planejar aulas, estratégias e espaços para trabalhar de forma equitativa com estudantes com TEA exige pensar na turma, como um todo, mas, também, eleger recursos de forma individualizada. Ao adotar estratégias que promovam a inclusão, a comunicação, uma rotina estruturada, um suporte individualizado, a integração social e ambiente físico apropriados, os profissionais da educação poderão criar um ambiente acolhedor e propício para o aprendizado e desenvolvimento não somente dos/as estudantes com autismo, mas de todos/as, afinal, cada estudante é único/a e aprende de maneira singular.

 

Como pudemos perceber são muitas as maneiras com que o TEA se expressa e, por isso é sempre importante entendermos a heterogeneidade evitando rótulos ou receitas. Sempre é tempo de conhecer e debater para a oferta de espaços e estratégias cada vez mais equânimes.

 

 

Referências e bibliografia

 

ADAPTE EDUCAÇÃO. Condições obrigatórias para o diagnóstico de autismo (2023). 2023. Disponível em: <https://www.adapte.com.vc/blog/5_condicoes_do_autismo>. Acesso em: 22 jun. 2023.

 

MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS: DSM-5. American Psychiatric  Association; trad. Maria Inês Corrêa Nascimento et al5. ed. Porto Alegre:  Artmed, 2014. Disponível em: <https://www.institutopebioetica.com.br/documentos/manual-diagnostico-e-estatistico-de-transtornos-mentais-dsm-5.pdf>  Acesso em: 22 jun. 2023.

 

CID-11. World Health Organization. ICD-11 for mortality and morbidity statistics. Version: 2019 April.

Geneva: WHO; 2019 [citado 20 ago 2019]. Disponível em: <https://icd.who.int/browse11/l-m/en>.  Acesso em: 22 jun. 2023.

 

SCHWARTZMAN, José Salomão. Transtornos do Espectro do Autismo: conceito e generalidades. In.: SCHWARTZMAN, José Salomão; ARAÚJO, Ceres Alves. Transtornos do Espectro do Autismo. São Paulo: Memnon, 2011. p. 37 – 42.

 

VIEIRA, Soraia. Canal Autismo. PECS. 2019 Disponível em: <https://www.canalautismo.com.br/numero/004/pecs/>  Acesso em: 26 jun. 2023.

 

ZAPOROSZENKO, Ana;  ALENCAR, Gizeli Aparecida Ribeiro de. Comunicação alternativa e paralisia cerebral: recursos didáticos e de expressão. 2008. Disponível em: <http://engenhodeideias.com.br/projetos/2013/faurgs/anexos/livro3.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2023.

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